inicio | contacto | buscador | imprimir   
 
· Presentación
· Trayectoria
· Artículos y notas
· Newsletter (español)
· Newsletter (english)
· Radar Internacional
· Tesis de posgrado
· Programas de clase
· Sitios recomendados

Publicaciones
· Las crisis en el multilateralismo y en los acuerdos regionales
· Argentina y Brasil en
el sistema de relaciones internacionales
· Momentos y Perspectivas


  Félix Peña

ARTÍCULOS Y NOTAS DE PRENSA
2021 | 2020 | 2019 | 2018 | 2017 | 2016 | 2015 | 2014 | 2013
2012 | 2011 | 2010 | 2009 | 2008 | 2007 | 2006 | 2005 | 2004
2003 | 2002 | 2001 | 2000 | 1999 | 1998 | 1997 | 1996 | 1995
1994 | 1993 | 1992 | 1991 | 1990 a 1968
  Seminario sobre Integração Latino-Américana. Cuadernos da UnB | 1982

Aspectos Políticos da Integração Latino-Americana


Vou referir-me a aspectos políticos da integração, tema que, segundo creio, pode e deve ser tratado neste momento, aproveitando-se a experiência de Madeleine quanto à integração ou a tentativas de integração económica na América Latina e a mais de 30 anos de integração económica na Europa.

De algum modo, essa experiência nos permite agora discorrer sobre os aspectos políticos da integração e, de algum modo, purificar o tratamento do tema integração, retirando-lhe o véu dos falsos dilemas a que se referiu Enrique Iglesias e também de falsas expectativas.

Este esforço no sentido da análise dos aspectos políticos da integração pode ser considerado algo intimamente associado a um saudável esforço no sentido da política em geral, ou seja, no sentido de desmistificar certos temas, para permitir que se chegue ao seu real valor.

Falar de aspectos políticos é falar de poder, e é sob essa ótica que iremos fazer nossa análise. O tema do poder, com relação à integração, se situa pelo menos em dois níveis. Vou começar pelo primeiro nível. Estou certo de que, com muito mais autoridade, Eduardo Fernandez poderá falar do segundo.

O primeiro nível diz respeito à integração e às relações de poder entre Estados. É a ótica internacional. O segundo nível, de grande importância, é o das relações de poder dentro do Estado, do impacto político interno causado pelo compromisso de um país de participar de um processo de integração.

Ao falar do primeiro nível, reputo muito importante inserir esta reflexão nos atuais quadros internacional e regional, já que, no caso contrário, seria muito difícil, senão impossível, entender o chamado processo de integração da América Lati- na e toda a revolução conceituai e instrumental ocorrida nos últimos anos em torno do próprio conceito de integração e dos meios através dos quais atingir a integração.

Esta revolução conceituai e instrumental, até certo ponto, responde ãs mudanças operadas no quadro regional e internacional onde se insere nossa força de integração latino-americana.

Muitas das reflexões que farei são válidas para o concerto e o tema da metodologia de integração económica de toda a América Latina, porém não são totalmente válidas para as experiências sub-regionais. Precisamente pelas características das sub-regiões, por suas dimensões, muitas destas considerações não são totalmente válidas.

Quanto ao quadro regional e internacional no qual inserimos nossa análise, vamos apresentar um painel dos grandes fatos, destacando aqueles que apresentem mais incidência nessa mudança conceituai e instrumental.

Eu indicaria, fundamentalmente, três grandes fatos que considero importantes. Em primeiro lugar, é que estamos vivendo, desde há alguns anos, uma profunda cnse de redistribuição do poder mundial, crise esta que existe na essência da atual situação política e económica internacional, e que produz pelo menos três efeitos talvez interessantes para nossa análise.

Em primeiro lugar - consta de um trabalho recente de Celso Lafer - há vários anos se observa, e de forma crescente, uma separação entre a ordem internacional, isto é, os princípios, os mecanismos, os valores, as normas que, de algum modo, resultaram das relações internacionais do período pós-guerra, e o poder, isto é, o modelo de distribuição do poder internacional. Está em crise de legitimidade determinado órgão internacional; está em processo de busca daquilo que se pode definir como uma nova ordem política e económica internacional, que não será, por certo, o resultado de decisões que se possam adotar no plano formal, porém da nova distribuição do poder internacional. A crise de legitimidade, não só de princípios, de valores, mas de ideias advindas do período posterior à li Guerra Mundial, também causa impacto nas ideias que penetraram na América Latina nesse período e que precederam, de algum modo, o desenvolvimento das relações de cooperação e integração da região durante a década de 60 e boa parte dos anos 70.

O segundo efeito que acredito importante no que concerne à crise de distribuição do poder é que ela cria mais espaços políticos para os países - em particular os países em desenvolvimento - se movimentarem no sistema internacional, aproveitando, em parte, contradições internas muito agudas ocorridas no segmento norte do sistema internacional e que não são produto de um confronto industrial e tecnológico entre os grandes centros de poder económico mundial. Esse espaço se observa, por exemplo, no que diz respeito à capacidade de adquirir processos tecnológicos, inclusive em avançados setores do desenvolvimento económico e científico de nossos países.

Esse maior espaço produz, por sua vez, um efeito: o de acentuar a multiplicidade de alternativas no âmbito do sistema internacional - multiplicidade de opções. Portanto, a multiplicidade de afinidades pode ser adquirida nos diferentes clubes do sistema internacional. O sistema tolera-o, porque não pode evitá-lo. Talvez as grandes potências desejem evitá-lo e voltar ao mundo bipolar, em que a definição de ideia de adversário se apresentava de forma muito evidente.

Ora, a possibilidade de multiplicidade de afinidades internacionais causa impacto também no desenvolvimento das relações de integração e cooperação na América Latina, já que esta nova situação internacional cria para nossos países a possibilidade e, em certos momentos, a necessidade de ampliar ao máximo suas aquisições no sistema internacional, sem afiliar-se a clube algum. Assim, há países de nossa região que jogam simultaneamente, e de forma legítima, em diversos tabuleiros do xadrez internacional, porque, desse modo, podem, por um lado, tirar mais proveito dos efeitos da crise, ou,  por outro, defender-se melhor, caso a crise lhes cause problemas de sobrevivência política ou económica.    

O terceiro efeito é - e está ligado ao que acabo de dizer - que toda esta crise aumentou, para nossos países, o desafio do exterior, e, em geral, questionou, em alguns casos, não tanto a sobrevivência como unidade autónoma do sistema internacional, porém a viabilidade de projetos nacionais, em termos políticos e económicos. Na verdade, a crise de energia é visível em muitos de nossos países. Isso cria um instinto de sobrevivência e obriga-nos a privilegiar, acima de tudo, as medidas a tomar para nos defendermos dos efeitos da crise, o que motiva o comportamento dos países, a curto prazo. Num momento de crise, os países se preocupam mais - e devem e precisam preocupar-se mais - com os problemas de sobrevivência a curto prazo. Isto influi, portanto, sobre as relações de integração e cooperação, pois os governos têm muito mais dificuldades em apor suas assinaturas a convénios que estabeleçam programas relativamente rígidos - ou considerados rígidos, seja por esse contexto internacional, seja pelas consequências do contexto internacional que predeterminem, em prazos e metas, o comportamento das relações recíprocas entre grupos ou países durante um prolongado número de anos. Compromissos desse tipo eram assumidos, nos anos 50 ou 60, entre os países das comunidades europeias. Não estou fazendo juízo de valor. Talvez as coisas não sejam exatamente assim. Estou simplesmente dizendo que, neste momento, é muito difícil que um governo assuma juridicamente um compromisso que o obrigue, por exemplo, a certas responsabilidades daqui a 5 ou 10 anos.

O segundo grande fato do quadro internacional que desejo referir - neste caso, do quadro regional - e que é relevante para a análise política da integração, é o que eu chamaria a perda de marginalidade da região para cada um de nossos países, ou, dizendo de outra maneira, a revalorização da região para cada um de nossos países, em função de seu desenvolvimento, em função de sua participação internacional, em função de sua melhor defesa diante da crise internacional. Essa revalorização se mede em termos de mercados, quer dizer, da escassez dos mercados. Sendo os mercados mundiais fator escasso, isso fará valorizar os mercados regionais de recursos naturais - o petróleo, por certo, mas não exclusivamente - e a região como fonte de modelos. Temo-nos acostumado, nos últimos anos, a modelos oriundos de outros países. Agora, volvemos os olhos a outros modelos económicos e políticos. Somos muito mais permeáveis aos modelos regionais. Não podemos, portanto, ser indiferentes ã sorte dos modelos regionais. Do ponto de vista da vida económica, precisamente como consequência da crise económica internacional, a região, de algum modo, é considerada um espaço de segurança económica que permitirá a sobrevivência, a longo prazo, de comunidades importantes do sistema internacional de nossos países.

Todas essas são razões de integração latino-americana, porém uma integração que não se explica apenas como resposta ã situação internacional e não se mede pelo aumento ocorrido no comércio, uma integração que responde a forças profundas que, em minha opinião, vão continuar apelando, nos próximos anos. Mesmo que não façamos absolutamente nada para que haja mais integração na América Latina, vai haver. Haverá mais comércio, mais gente na tecnologia, mais gente nas divisas de capital, mais troca de ideias, mais circulação de pessoas, em parte por ter surgido um mercado latino-americano, mas em parte surgiu um mercado latino-americano porque surgiu ou se acentuou o desenvolvimento dos países médios da região, os quais se transformaram em demandantes de bens e serviços que podem ser fornecidos entre outros, pelos países maiores, mais industrializados da região, e também por outros que não são da região, mas que têm profundo interesse na região, por motivos culturais, políticos e por certo económicos.

Esse fator que creio se vai inserindo - o aparecimento de um poder de compra regional nos países médios, fundamentalmente os andinos - é um fator geral básico que quero detectar deste quadro internacional e regional, por seu efeito na integração latino-americana, que é o da mudança da distribuição do poder relativo dentro da região.

Se tomarmos o que significaram a Argentina, o Brasil, o Chile e o Uruguai, em termos de comércio inter-regional, na década de 50, ou do Produto Internacional Bruto, e compararmos com o que significam em 1980, observaremos que realmente houve uma mudança no peso relativo dos diferentes países que compõem a região. Houve quase uma reacomodação das cargas regionais e das possibilidades regionais.

Creio que dois fatores incidiram e vão continuar incidindo na mudança na distribuição do poder regional. Esses dois fatores são, em minha opinião, o fator petróleo e o fator andino, e estão, em parte, vinculados. Seria, porém, erro grosseiro supor que o Grupo Andino se explica apenas pela capacidade de produção e exportação de petróleo da Venezuela, do Equador, inclusive do Peru, e por certo, da Colômbia, da Bolívia. Em geral, todos os países andinos estão em boa situação no que concerne à energia.

O fator petróleo e o fato de pelo menos três países da região permanecerem em torno do petróleo, produziu e vai continuar produzindo seu efeito, não só na distribuição do poder relativo da região, como também na forma utilizada pelos países da região. Esses três países que giram em torno do petróleo, em suas decisões nacionais, e que não podem prescindir do fator petróleo, por motivos diferentes, são México, Venezuela e Brasil, dois deles porque lhes sobra, um deles porque lhe falta.

O fator andino inseriu-se na distribuição do poder relativo da região não tanto pela existência do andino. Talvez o andino se explique precisamente porque se produziu mais desenvolvimento e tomada de consciência do poder relativo em vários países andinos. Quer dizer que o andino tem mais peso porque os países que o compõem têm mais peso. Isso, por um lado; por outro lado, é certo que desde o próprio início da profunda adesão política ocorrida, em certo momento, Eduardo Frei e Carlos Veras Restrepo compreenderam que o andino era uma forma de aumentar seu poder de negociação na região, e o reconheceram no dia em que, em 1969, em junho, na ALALC, conseguiram "forçar a mão" de vários de nossos países para obter uma declaração de compatibilidade. Eles aprenderam que tinham poder de negociação e desde então passaram a exercê-lo.

Isso não implica, por sua vez, juízo de valor sobre se o andino está agindo mal. Por outro lado, este não é um assunto que diga respeito à política. Esse é outro problema, qual seja, a análise política. O andino é um fato. O importante é que o andino reconheça e seja reconhecido como interlocutor válido pela Comunidade Económica Europeia, pelos Estados Unidos, pelos países maiores da América Latina. A Argentina desde o início deu seu apoio ao Grupo Andino, por considerar que realmente o Grupo Andino representava uma nova realidade de poder na região.

Na Nicarágua, por ocasião da queda de Somoza, o Grupo Andino teve oportunidade de mostrar que se havia transformado em fato político.

Um tema que seria preciso debater é o fato de se pensar que o andino não era antes um projeto político, mas agora o é. O andino sempre foi um projeto político, porque seria inimaginável um processo de integração que não fosse concebido como projeto político, mesmo que a ênfase esteja colocada, no primeiro momento, no económico, como método de acrescentar poder político dentro da região, em relação aos países do mundo industrializado, e num segundo momento, especialmente no período da Resolução 24.

Este quadro internacional e regional, apresentado sem grandes acontecimentos, é completamente diferente do que existia nos anos 60. Apesar disso, explica as mudanças conceituais e instrumentais que se estão verificando em torno do tema da integração.

Quero referir-me muito rapidamente à mudança do próprio conceito de integração definido quanto ao objetivo a alcançar - o objetivo político - e, em seguida, à mudança quanto à metodologia.

Com referência ao próprio conceito de integração, nos anos 60 estava muito ligado à ideia de união económica, de união política, e refletia o estado de conhecimento e de evolução das relações de integração na América Latina e no resto do mundo, em particular na Europa. É lógico que se apresentasse dessa maneira. Hoje em dia - é talvez uma interpretação pessoal que me vem quando vejo que todo o mundo fala de integração - a integração é algo que, no fundo pareceria igual para todo o mundo, porém cabe observar que quem fala em integração está imaginando coisas diferentes. É muito difícil haver quem fale contra a integração: os governos se declaram a favor da integração. Encontra-se quem fale mal da integração, mas não sabe se se está dando à palavra a mesma acepção. E qual seria o denominador comum de todas as acepções da palavra integração, sobretudo quando é utilizada por pessoas responsáveis, pelos estadistas, pelos políticos, pelos governos, pelos técnicos? Imagino até que ponto não se está pensando da mesma maneira como se pensava e que de algum modo gerava o primeiro processo de integração consensual da História Contemporânea, que é a integração europeia. Creio que muitas vezes os integradores europeus pensaram fundamentalmente numa nova federação europeia, nos Estados Unidos da Europa. Isto foi, indubitavelmente, parte da luta política e da apresentação, ante a opinião pública, da legitimação política da ideia de integração. Observando de modo mais profundo, nós nos damos conta de que o que estava presente era a ideia de que há outra América Latina, a atual. Havia-se che­gado, na Europa, a um nível muito alto de interdependência. Acredito, inclusive, que o atual nível de interdependência na América Latina e inferior ao existente na Europa antes dos anos 50. Esquece-se - é elementar, mas esquece-se - que interdependência não é sinónimo de integração. A interdependência pode ser e é ambivalente, de hábito, já que, com todas as relações sociais, tem elementos de conflito e de cooperação. O que aconteceu na Europa foi que a interdependência havia sido essencialmente conflitante, e creio que o gesto político genial de Mollet, dos anos 50, foi encontrar uma metodologia que se adaptasse ao destino político negativo da interdependência europeia. Se V. Exas. forem à essência do pensamento de Mollet, no Plano Schuman e no memorando que precede o Plano Schuman, encontrarão a famosa frase "reverter à tendência secular para o conflito", e ela se encontra no memorando, num tema que Mollet apresenta de um rnodo, apresenta-a de outro modo outro génio, que foi De Gaulle, que é o do papel histórico da Europa diante das duas grandes hegemonias. Era necessário reverter ã tendência secular para o conflito, construindo com uma metodologia que gera - era o pensamento de Mollet - um só acordo de interesses, a fim de assegurar um papel histórico à Europa ante a emergência das duas grandes hegemonias.

De algum modo, penso que o político latino-americano percebe os perigos pelo faro, capta que o nível de interdependência a que já chegou a América Latina tanto pode ser fonte de cooperação como fonte de conflito. Nada mais perigoso para a saúde de determinado sistema internacional, como o latino-americano, por exemplo, que um excesso de interesse pelo mercado, pelos recursos naturais, pelo que a região possua de valor. Isso pode levar tanto ao conflito como, se inserido em outro espírito, em outra visão de conjunto, a um sistema de interdependência essencialmente cooperativo.

Em última instância, o denominador comum dos diferentes usos da palavra integração, sobretudo nos meios políticos, é o repúdio à ideia de desintegração da região, é a decisão de que, de algum modo, através da metodologia mais acertada, é necessário dar um cunho predominantemente cooperativo à interdependência latino-americana e repudiar historicamente a possibilidade de fragmentação da região.

Esta ideia de integração do mínimo, associada à de independência cooperativa, torna compreensível todo o debate político em torno da integração atualmente vigente na região. E, conforme esta ideia, cabem, em particular para suas regiões, os conceitos e as instrumentalizações das integrações do máximo, associadas ao conceito mais clássico de integração económica e inclusive de integração política.

Quanto às mudanças na metodologia, pensa-se que, durante os primeiros 20 anos de integração, a metodologia estava muito centrada nos processos formais de integração. Isto em parte é certo, em parte, não. Em parte é certo porque, na instrumentação jurídica da integração, havia dois ou três processos que supunham que, de algum modo linear, chegaríamos, algum dia, à integração económica, associados às fórmulas clássicas de integração económica - zonas livres de comércio, união aduaneira etc. Em parte isto não é certo, porque a realidade logo começou a mostrar que os países não se limitavam a essa proteção jurídica que foi preciso ado-tar nos anos 60, em grande parte pelo fator prejudicial em que se constituía o artigo 24 do GATT, segundo o qual, a fim de ajustar-se às imposições do GATT, um convénio de integração, de tratamento preferencial entre países em desenvolvimento, teria de adotar a fórmula de zonas de livre comércio e de união aduaneira. Esse processo, na realidade ilegal, culmina com a renovação jurídica que significa, por um lado, a criação do SELA, no multilateral, e, por outro lado, a reestruturação da ALALC em ALADI. Essa reestruturação, por sua vez, significa legalizar o que estava sendo feito sob forma de contrabando; significa transformar em oficial o que se estava fazendo em paralelo; significa, utilizando uma expressão comum em nosso pais, pelo menos, "blanquear" - limpar - a integração paralela, oficializá-la.

Se retrocedêssemos aos anos 60, entretanto, verificaríamos que, naquela épo ca, os que pensavam na integração da América Latina já sabiam que, no que concerne à metodologia, o caminho que estamos seguindo agora era o caminho certo.

Quero citar dois grandes estadistas do meu pais que, embora muitas vezes com pontos de vista opostos, muito influíram na integração económica da América Latina. Um deles é Prebisch. Se analisarmos o pensamento de Prebisch sobre a preferência latino-americana, expresso num excelente artigo publicado por Germânico Savión, na revista CEPAL, faz dois anos, verificaremos que o pensamento da CE-PAL, com relação ao sistema de preferência latino-americano, tem muito mais que ver com o que hoje em dia é a ALADI do que com o que foi a ALALC, que, definitivamente, sofreu, entre sua criação e sua realização final, o prejuízo que isso significou, como eu disse antes, e terão de adaptá-la às necessidades do GATT.

Outro estadista é Frondizi, que, como Presidente eleito da Argentina, pronunciou três discursos simbólicos, em lugares também simbólicos: no Rio, em Montevideo e em Santiago. Creio que este tema está presente nos três discursos, mas sobretudo o de Santiago apresenta toda uma filosofia sobre o porquê e o como da ideia de integração latino-americana, uma visão política da realização dessa integração e de sua metodologia. Se analisarmos a metodologia que hoje em dia se aplica, seja com o SELA, seja com a ALADI, com os acordos bilaterais, com a integração por projetos, veremos, nessas quatro ou cinco páginas dedicadas ao tema da integração, que o pensamento de Frondizi corresponde ao que neste momento está ocorrendo na realidade da integração latino-americana.

Estou querendo dizer, com estes dois exemplos, que os que pensaram, nos anos 60, na integração da América Latina não estavam muito longe - ao contrário - da forma que hoje em dia se vem desenvolvendo ou se pensa em desenvolver nesse sentido. O que acontece é que, nesse ínterim, aprendemos e estamos de volta a caminhos que muitas vezes seguimos, como no caso do Tratado de Montevideu, porque fatores externos de algum modo nos obrigam a segui-los, mas, além disso, porque o quadro internacional que antes mencionei de alguma maneira está possibilitando algo que, naquele momento, não era tão viável quanto o é agora.

O tempo começa a faltar-me, mas desejo ainda assinalar que, nesta mudança de tecnologia e nesta aceitação da multiplicidade de meios para levar adiante a integração, é necessário ter em conta dois aspectos que não podem deixar de ser considerados. O primeiro aspecto é aprofundar a ideia da preferência latino-americana - é o tema da ALADI, que, eu diria, está potencialmente exposto - è aprofundar a ideia de preferência latino-americana, não somente no sentido de preferência comercial, senão no da racionalidade económica e a política, de um tratamento diferencial no económico e no político, entre os latino-americanos, o porquê, até aonde, com que limites, já que não esquecemos o que ficou assinalado antes, a multiplicidade de acepções, de abertura de nossas raízes de relações internacionais.

Aprofundar a ideia de preferência latino-americana é um tema que me parece fundamental. Todo o mundo se organizou em áreas preferenciais. A comunidade amplia, através de seus mecanismos, a ideia de uma preferência comunitária vertical. Este é um tema pendente na América Latina. Está incipiente em compromissos multilaterais. É preciso aprofundá-lo.

O segundo tema, que, de certo modo, foi mencionado na brilhante exposição do Ministro Saraiva Guerreiro, na sessão inaugural deste Seminário, ê o tema da visão de conjunto, de conseguir e manter uma visão de conjunto. Pela multiplicidade de meios, isso pode ser, em determinado momento, contraditório à ideia de uma interdependência administravel, e pode levar, sem que se queira, a uma fragmentação, a uma dispersão, a uma luta para ver quem faz o melhor e mais rápido convenio bilateral.

Se tudo isso não se insere numa visão de conjunto, é uma visão que deve ser politica, que deve ser histórica, que deve ser global, que deve aprofundar as raízes culturais da visão de conjunto latino-americana.

Apesar de termos mais flexibilidade, mais multiplicidade de meios, mais realismo etc, corremos o risco de os resultados serem negativos como se não tivéssemos todo este instrumental operativo em nossa região.

Eu queria falar muito rapidamente da relação entre o Estado nacional e integração. Trata-se simplesmente de apontar duas ou três ideias que são parte do debate político da integração em nossos países e também do debate político da integração nos últimos dez anos. São ideias que surgem da experiência, e não só da experiência da América Latina, mas da experiência histórica de outras regiões.

Em primeiro lugar, não devemos esquecer uma lei de ferro em assuntos políticos e de política internacional. Podemos chamá-la o principio da função supletiva dos mecanismos internacionais. Na prática, um país combina fazer algo com outro, ou combina fazer algo recorrendo a mecanismos internacionais, quando for absolutamente indispensável. Muitas vezes trabalhamos com a ideia oposta, de que o racional ou normal é o multilateral e de que só os organismos internacionais permitem aos nacionais resolver problemas globais, inclusive da humanidade, não só das regiões. Isso talvez esteja certo no campo teórico. No comportamento político concreto, a experiência nos mostra que os países aplicam o princípio da função supletiva, e se não o fazem quanto aos textos políticos, fazem-no na prática, transformando os textos políticos numa expressão de cinismo legislativo ou de utopia legislativa. Sem dúvida, a realidade se encarrega de colocar as coisas em seus lugares.

O segundo ponto a levar em conta é que nenhum país, nenhum político, nenhum estadista concordará em ceder, em matéria de poder e em matéria de controle de interesses nacionais. Não quer isso dizer que não seja viável a integração formal no estilo Comunidade Económica Europeia ou do Grupo Andino, ou que não sejam viáveis os pactos internacionais. Isso significa que um país procurará fazer com que, na letra ou no espírito dos fatos, o que se decide e o que se aplica responda ao seu interesse nacional, o que faz com que a ideia vinda da relação Estado ou nação-integração ou pacto de integração possa resolver-se, na prática, na medida em que se aplique a fórmula que tão bem aplicou Mollet, desde o começo, na integração europeia, e que é a fórmula de concertar os interesses nacionais e a mecânica, razão de ser dos mecanismos institucionais de integração, de concertar, em todo momento, as decisões, de maneira que respondam realmente aos interesses nacionais, isto é, de maneira tal que a reciprocidade de interesses que justificou o pacto inicial se mantenha através do tempo.

No momento em que se fere a reciprocidade de interesses - demonstrou-o De Gaulle na crise de 65, e também nós tivemos experiência na América Latina - o país, com o desequilíbrio produziu na reciprocidade de interesses, termina bloqueando o processo de integração ou retirando-se dele. Estes são comportamentos concretos, seja qual for o juízo de valor que se possa fazer deles.

Daí por que - e é o último ponto a abordar, com referência a este aspecto - jamais acreditei na supranacionalidade. Para mim, a supranacionalidade não existe, é um conceito equívoco, erróneo, do ponto de vista jurídico, pelo menos na acepção que lhe foi dada, e não existe nem existiu nenhum mecanismo institucional e político, no processo de integração contemporâneo, que responda ao que se pensa que possa ser uma fórmula de supranacionalidade. E por supranacionalidade se en­tende ceder competência, ceder poder ao órgão que esteja acima dos Estados para dar um passo muito além da federalização política. Digo que isto não existe nem existiu no processo contemporâneo de integração, porque os Estados mantiveram dois fatores que são a negação da supranacionalidade entendida desta forma, isto é, o direito de secessão e o monopólio da coerção. Esta, a essência, em última instância, da política que os Estados mantêm: "Nada se faz se não estou de acordo." Esta a fórmula que, na prática, os Estados aplicam. Por isso, a supranacionalidade é um processo equívoco que criou uma imagem equivoca e gerou um debate que foi profundo, mas que, hoje em dia, é necessário rever, partindo de uma definição correia do que são as relações políticas e institucionais entre os órgãos de integração e os Estados nacionais. Imagino que sejam relações - para usar uma analogia do Direito Comercial - como a criação, por parte dos Estados, de uma filial conjunta para executar tarefas específicas. O problema é que, muitas vezes, os gerentes da filial conjunta se esquecem de que se trata de uma filial conjunta e acreditam que os Estados criaram uma sociedade de sociedades, um holding que determina o que fazem as sociedades filiais.

Creio que esta figura permite ilustrar a realidade da relação correta entre Estado nacional e organismo de integração e permite - demonstrou-o Halsten, a Comissão Halsten, em sua crise de 1965 - ilustrar algumas tentações que possam ter os tecnocratas apátridas, irresponsáveis, que estavam em contradição, porque jamais foram totalmente tecnocratas, nem apátridas, nem irresponsáveis, com a tentação de criar uma sociedade holding, um organismo supranacional.

Ao terminar, Sr. Presidente, deixo aqui um tema que será talvez retomado por Eduardo Fernandes, o tema da integração e da política interna. Imagino temas como o da transferência'da estabilidade nacional para os processos de integração; a integração como forma de limitar as radicalizações políticas internas, casos europeus interessantes, como o da Espanha, por exemplo, o modo como a política espanhola foi influenciada pela necessidade de adaptar-se ao tempo político e económico das comunidades. Isso também ocorreu na América Latina. É mau gosto de empregos.

Duas conclusões, também políticas: primeiro, creio que estamos ante uma nova forma de conceber as relações económicas dos países latino-americanos, que apresentam um desafio intelectual e político interessante, capaz de influir muito em outro tema da política interna de integração - a motivação, a política básica de integração. Muitas vezes, surgem convénios interessantes que não se revestem de aparências politicas que os tornem atraentes. Falta-Ihes mística. As pessoas da década de 60 sabiam dar mais mística às ideias, que ora se apresentam sem a roupagem política. Sua retórica não penetra na opinião pública. Uma forma de dar entidade política aos esforços de associação para o desenvolvimento dos países latino-americanos - e efetivamente é disso que falamos quando falamos em integração - é apresentar o tema de que a América Latina, pelo menos no campo de que estamos tratando, que é o da ótica internacional, tem uma grande oportunidade de de­monstrar que algo que não foi possível em outras regiões é possível na América Latina, isto ê, relações entre Estados desiguais sob modelos distintos daqueles que caracterizam as relações Norte-Sul. Este é um tema apaixonante, porque, às vezes, as contradições são demasiadamente evidentes entre nossa atitude diante do mundo do Norte e nossa atitude diante do mundo do Sul, uma vez que estamos dentro do mundo do Sul. Não se trata de problema nem de filantropia nem de justiça internacional que seja importante considerar por se estar fazendo uma análise do poder trata-se da coerência ideológica e estratégica da região ante os países industrializados e de demonstrar na prática a possibilidade de encontrar modelos de relações entre Estados desiguais que sejam viáveis e que tendam, a médio e longo prazo, a alterar, dentro do factível, as desigualdades. E um tema.

A segunda conclusão é que creio que a experiência dos anos de integração latino-americana nos leva a pensar que é necessário resistir, rechaçar, defender-se, entre outras, de três tentações que não são funcionais a esta ideia de interdependência administrável latino-americana, não são funcionais ao quadro internacional atual, nem são funcionais, inclusive, a nossas realidades políticas internas, eu diria.

A primeira tentação é a tentação da solidão, em muitas manifestações. Pode ser uma solidão defensiva, pode ser uma solidão de gueto - encerro-me para defender-me - pode ser uma solidão pretensiosa - não necessito do resto. O mundo atual não tolera solidões. Houve uma escolha política importante para a integração europeia, e 30 anos depois, surgiram duas coisas que demonstram o génio político de Mollet e de.Schuman, e logo que foi recusada, para se adotar a linha francesa: a tendência secular ao conflito sofreu reversão, e seria inimaginável, inclusive neste momento, um conflito na Europa Ocidental, e isso se transformou numa espécie de elemento de garantia de estabilidade, pelo menos do mundo industrializado.

A segunda coisa que se conseguiu foi dar à Europa um lugar importante na política internacional, como consequência da crise internacional, entre as duas grandes potências, e importante pelo crescimento das lideranças políticas legítimas, fortes e imaginativas na França e na Alemanha. O paradoxo histórico da integração europeia é realmente apaixonante.

A segunda tentação a que é preciso resistir é a das Santas Alianças, de bons ou de maus, de democratas ou de autoritários, de menos democratas ou de mais democratas, de menos autoritários, seja qual for a mistura para justificar ou legitimar as Santas Alianças.

Creio que os convénios multilaterais firmados recentemente - de um lado o SELA, de outro, a ALADI - não só reconhecem como simbolizam a factibílidade de uma visão de conjunto dentro de uma heterogeneidade política e ideológica latino-americana.

A terceira tentação - e com esta termino, Sr. Presidente - é a tentação das mistificações. Termino com o assunto com o qual comecei, quer dizer, com o fato de se atribuir ã integração mais do que a integração pode dar, seja de positivo, seja de negativo. É a ambição westemiana, a ambição do Western americano, que uma integração económica da América Latina deve, hoje em dia, ser superada politicamente, para que se chegue ã hora da verdade em matéria de integração.


Félix Peña es Director del Instituto de Comercio Internacional de la Fundación ICBC; Director de la Maestría en Relaciones Comerciales Internacionales de la Universidad Nacional de Tres de Febrero (UNTREF); Miembro del Comité Ejecutivo del Consejo Argentino para las Relaciones Internacionales (CARI). Miembro del Brains Trust del Evian Group. Ampliar trayectoria.

http://www.felixpena.com.ar | info@felixpena.com.ar


Suscríbase al newsletter para recibir mensualmente un email con
los últimos artículos publicados en este sitio.


 

Regresar a la página anterior | Top de la página | Imprimir artículo

 
Diseño y producción: Rodrigo Silvosa